Artur Henrique*
A greve é mais que um
direito constitucional e um instrumento legítimo para os trabalhadores cobrarem
aumentos salariais, proteção e ampliação de direitos e melhoria das condições
de vida em geral.
Um movimento grevista
também é um dos principais momentos para elevar a consciência crítica da
população. É uma oportunidade de as pessoas se enxergarem como conjunto
transformador, e por isso guarda em si potencial de catarse política, de passagem para uma experiência ativa
de mudança do mundo social.
Compreendido esse
potencial, entende-se porque as greves são tão hostilizadas – embora, e
propositalmente, jamais de modo a apontar o verdadeiro temor – pelos patrões em geral e todo o sistema hegemônico de
que dispõem.
O que não se pode entender
ou mesmo aceitar é que administradores públicos das três esferas de governo,
especialmente aqueles que têm origem no movimento sindical e nas lutas sociais,
tentem desqualificar a greve ou coloquem-se contra o movimento como se defendessem
um princípio.
Acompanhamos em greves
recentes e bastante disputadas – como a dos professores em 17 estados
brasileiros e a dos Correios – manifestações autoritárias e reacionárias que se
prestaram à deseducação política e à desmobilização social.
Nem vamos nos deter mais
longamente em reações truculentas como a de alguns governadores e prefeitos que
permitiram ou talvez até tenham ordenado a repressão policial sobre os
trabalhadores, tamanho o absurdo da conduta.
Porém, não é preciso
chegar a tal manifestação antidemocrática para ser igualmente nocivo à
organização dos trabalhadores. A ameaça de
não negociar com grevistas ou a intenção de negociar separadamente com
aqueles que não aderiram à greve é uma tentativa de premiar o medo, a timidez
e, principalmente, o individualismo. Ainda que a escolha de participar ou não
de uma greve seja um direito legítimo de cada trabalhador e trabalhadora,
quando uma autoridade pública acena positivamente para aqueles que optaram pela
via solitária, presta desserviço igual à construção da consciência política
coletiva e ao sonho de mudar a sociedade.
Quando atitudes como essa
partem de companheiros que já foram sindicalistas e que já fizeram greve,
deparamo-nos com uma ameaça séria. Claro que não podemos nos deixar levar
pela sensação de desalento que tal situação poderia produzir, mas é inevitável
um travo de decepção na garganta – sem falar que a conduta desses companheiros
serve como justificativa para políticos tradicionalmente avessos às lutas
populares.
Devemos lembrar que no
Brasil de hoje há ministros e presidentes de estatais que só chegaram lá porque
fizeram greves ao longo de suas trajetórias. Esquecer-se disso é jogar contra a
proposta de transformação social que tem nos guiado nas últimas décadas. Se
queremos construir um novo modelo de desenvolvimento, com ênfase na
distribuição de renda, na superação das desigualdades e na afirmação da
liberdade, devemos repudiar tal comportamento demonstrado por algumas
autoridades públicas nos últimos dias.
Se nosso desejo é que as
pessoas que hoje saem da pobreza e começam a ascender socialmente não
reproduzam amanhã o mesmo espírito de competição entre iguais do qual já foram
e ainda são vítimas, se queremos a solidariedade como princípio e o coletivo
como estratégia, nosso caminho é totalmente outro.
Greve não é um objetivo em si
Nada disso quer dizer que a
greve seja algo que busquemos como recurso primeiro. Ao contrário. Quando
acontece, a greve é resultado de um processo de negociação que fracassou. Em
circunstâncias assim, é o último e único recurso de pressão dos trabalhadores,
diante da multiplicidade de mecanismos de que dispõem os empregadores – força
econômica, domínio dos meios de comunicação e até controle das forças de
repressão.
Os mais bem sucedidos processos
de negociação, por sua vez, derivam da realização de greves em períodos
anteriores que elevaram o grau de consciência política e organizativa de
determinados grupos.
Já o fracasso de um processo
de negociação não pode ser atribuído a um único ator do processo. Tanto no
setor privado quanto no público, os administradores têm entre suas funções
básicas a intermediação de conflitos trabalhistas.
Justiça do trabalho
Por isso consideramos
inadmissível que a Justiça do Trabalho, como alguns de seus mais destacados
representantes fizeram por ocasião da greve nos Correios, atribua
aos trabalhadores e seus sindicatos a responsabilidade total pelas paralisações.
Aliás, a chegada de um
conflito entre capital e trabalho até a Justiça é o pior cenário de um movimento
grevista, pois sinaliza o fracasso completo do processo de diálogo.
Ainda sobre a Justiça do
Trabalho, é importante destacar – registre-se que isso não ocorreu no caso dos
Correios – a prática cada vez mais recorrente de julgar a conveniência ou o
caráter abusivo da greve antes mesmo de considerar a justeza das reivindicações.
Já na Justiça comum, desse
modo de avaliar os movimentos grevistas derivam-se os interditos proibitórios,
que impedem os trabalhadores de se reunir nas proximidades da empresa em momentos
de mobilização. Outro absurdo.
Vivemos no Brasil um momento
complicado em relação aos processos de negociação coletiva. Há um vácuo legal
para o qual já propusemos, para o setor público, a regulamentação da Convenção
151 do OIT – já ratificada pelo Congresso – e a organização por local de
trabalho tanto para o setor privado quanto para o público.
Um dos legados dos anos Lula e
Dilma deve ser a ampliação da consciência e participação política do povo,
jamais o contrário.
No mundo inteiro
Enquanto isso, os indignados de todo o mundo vão
às ruas protestar contra o capitalismo, ainda que de forma fragmentada, com
bandeiras múltiplas, reivindicando uma nova forma de gerir o planeta. Todos que
acampam, levantam bandeiras e batem bumbo querem dizer, se me permitem o uso de
uma frase que os estadunidenses criaram, com sua capacidade toda própria
adquirida graças ao cinema e à publicidade: “Você não me deixa sonhar, então eu
não deixo você dormir”.
O Brasil, que pleiteia, com
justiça, uma posição de comando na diplomacia internacional, bem que poderia dizer
ao mundo, durante as cerimônias públicas e nas coletivas de imprensa de fóruns
mundiais como o próximo G-20, que não há nada comprovadamente mais eficaz
contra a crise do que a organização da classe trabalhadora, ao mesmo tempo
responsável pela produção e pelo consumo.
Arrisco-me a dizer ainda que a
América Latina, a partir de suas experiências contra-hegemônicas, tem todo o
direito de propor aos povos do Hemisfério Norte a desobediência ao sistema
financeiro, esse que rouba nossos sonhos.
*Artur Henrique é presidente
da CUT Nacional.
PS do Viomundo:
“Afinal, que autoridades se esquecem que já fizeram greves e jogam contra
os trabalhadores e a consciência política?”, alguns devem estar querendo saber.
Um é o ministro das Comunicações, Paulo
Bernardo, que disse: “Greve não é férias”. Outro é o presidente dos
Correios, Wagner Pinheiro,
que afirmou: “Com grevistas, eu não negocio”. Ambos ex-sindicalistas ligados à
CUT. Vale recordar também o comportamento das direções da Caixa Econômica
Federal e do Banco do Brasil, que agiram como se fossem de bancos privados e
não jogaram os respectivos pesos na Fenaban, para abrir negociação com os
bancários.
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